Ponta da Lança
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2.

Há cinco estranhos ao redor do fogo. O paquistanês, seu rosto afiado como uma faca. O engenheiro, um homem pastó atarracado com uma mandíbula de cachorro, mastigando nervosamente seu cigarro. Seu companheiro, a quem Ismael chamava de cientista: usando óculos, segurando a cabeça entre as mãos. Flaqueando-os estão os dois garotos hazara, aquecendo as mãos em extremidades opostas das chamas.

O professor está presente, assim como o carrasco. Um touro de homem, com um olhar igual a um também, embora com uma simplicidade de intenção que esconde seu conhecimento. Ele é mais jovem que seu pai era quando herdou o cargo, embora esteja envelhecendo desde que a guerra começou: linhas escuras ao redor dos olhos, listras cinzas ao redor das têmporas.

Há uma refeição entre eles: uma porção de ash guarnecida com folhas de hortelã, há muito esfriando. Modesto, para os padrões da aldeia, já que carne fresca tem sido difícil de conseguir nos últimos tempos.

O carrasco tem impressionado a sala com a história local e observações sucintas da terra; embora os garotos hazara permaneçam indiferentes. O cientista apenas olha para o chão. Enquanto isso, o engenheiro e o paquistanês o olham com olhos pedra. Sentindo resistência, ele pigarreia. “Ouvi dizer que vocês estão com pressa para passar pela passagem.”

O engenheiro acena com a cabeça para o paquistanês, que começa a explicar:

“Aqui está o que vou pedir a vocês. Hoje à noite, meu pessoal vai acampar nas cavernas, onde a linha de árvores para. Não vamos exigir provisões, mas precisaremos de água potável. Permita que a gente termine nossas tarefas sem ser perturbados. Em uma semana, continuaremos subindo o cume para o outro lado.”

“Para os mujahidin?” O carrasco ri. “Vocês tem sorte de terem parado aqui. Um grupo como vocês, viajando à noite como ratos. Ora, eles atirariam em vocês antes que vocês alcançassem a próxima trilha!”

“Nós cuidaremos disso—” diz o paquistanês.

“Com todo o respeito—” o carrasco levanta a mão. “Vocês claramente não conhecem bem essas colinas. Esta guerra mudou a todos nós.”

O engenheiro murmura. “Ele está certo, tenente. Nem mesmo o Comando estava ciente de que haveria pessoas aqui.”

O paquistanês afrouxa, derrotado. O engenheiro continua:

“Se me permite explicar: os mujahidin têm algo que nossos comandantes querem. Um homem, embora vocês não saberiam disso à primeira vista. Gaspar, por favor?” Ele gesticula para o homem de óculos ao lado dele. Ele chuta uma sacola de lona debaixo de seu assento e retira um dispositivo—um rádio ou algo que finge ser um. Muitas luzes e fios para contar.

“O faquir?” O carrasco se inclina para frente. “Vocês sabem sobre o faquir?”

O cientista torce um fio em algum lugar e geme. Fracos estalos de uma voz ganham vida. Notas de um dhikr, em uma voz clara e alta, mantida em algum lugar entre exultação e canção: Nenhuma espada, exceto a Zulfigar, e nenhum jovem além de Ali…

“Esse é o homem,” diz o engenheiro. “Dizem que ele pode fazer milagres, que ele não é atingido por balas. Dizem que ele se comunica com as vozes de Deus. Os mujahidin o usam para mobilizar as aldeias. É de extrema importância para nossos comandantes que o localizemos e o separemos de sua crescente influência,”

“Ele é um homem de palavras—nada mais,” franze a testa o carrasco.

“Palavras também podem ter poder.”

As cabeças se viram para encontrar o professor. Ele estende a mão para o outro lado do fogo para pegar o dispositivo de Gaspar. A voz para abruptamente quando o dispositivo sai de suas mãos. Mãos desprovidas de calor, observa o professor, mesmo sob a luz do fogo.

“Não sei o que pensar de sua narrativa,” diz o professor. Ele vira o conjunto de plástico e fios em suas mãos. “Vocês se apresentam como homens de ciência, mas falam como homens de guerra. Seu líder diz que vocês estão do lado dos abutres. Ainda assim, falam como se estivessem trabalhando para um bem maior.”

O engenheiro sorri, envergonhado. “Se o que venho dizendo chega a vocês como idealista, então fui extremamente mal interpretado.”

“Montaremos acampamento nas cavernas ao amanhecer,” diz o paquistanês grosseiramente. “Tudo o que pedimos é que seus aldeões se mantenham afastados. É uma garantia de segurança, se vocês puderem espalhar a palavra. Um símbolo de agradecimento pelo trabalho.” Ele entrega um pequeno envelope para o carrasco, que o nega exasperado.

“As cabras pastam onde quiserem,” diz o carrasco. “As outras aldeias farão o que quiserem. Discutiremos proteção mais tarde.”

“Obrigado,” diz o paquistanês. Ele estende a mão para o dispositivo; o professor o devolve para ele. Ele faz um gesto para que seus homens se levantem.

Após eles irem embora, o carrasco se volta para o professor. “O que você acha? Homens eruditos, como você—você deve estar feliz por finalmente ter alguma companhia.”

“Ah, eu não saberia,” ri o professor. “Faz muito tempo para saber.” Ele espia pela janela, onde o céu conclama. Nuvens se acumulam como um véu perto do topo da crista, enviando tufos por suas laterais, meias-formas rolando na névoa. O tenente e sua equipe terão que se mover rápido antes que o frio se instale.

O carrasco observa a cena, assobiando.

“Primeiro a guerra, agora faquires e estrangeiros,” ele resmuga. “Estamos vivendo no fim dos tempos, meu amigo.”

De além do vale, o vento uiva.


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